quinta-feira, 30 de junho de 2011

Entrevista de Aleida Guevara à Folha de São Paulo - PARTE 2 (comentários dos blogueiros)

Os comentários de Aleida, que além de filha de "Che", é militante de base do Partido Comunista Cubano, são muito interessantes e nos levam a várias reflexões. Bem como as perguntas da repórter da Folha de São Paulo, Eleonora de Lucena, que demonstram uma certa tendência - óbvia - antissocialista.

Faremos então um comentário relacionado a cada grupo de perguntas e respostas reproduzidas na postagem anterior. A entrevista não foi apresentada em sua totalidade, mas pode ser lida em


Nas primeiras perguntas, ao discutir a crise pela qual passa a economia cubana, Aleida ratifica o que a historiografia discute atualmente sobre os regimes políticos ditos socialistas. A exploração pode não ter acabado totalmente. Os meios-de-produção não são coletivos e sim Estatais. Logo, os cubanos trabalham para o Estado e, pelo que consta, indiretamente para toda a sociedade. E a fase da "ditadura do proletariado", que seria apenas uma etapa da revolução, ainda não foi abandonada.

A própria Aleida se diz temerosa quanto as reformas sociais feitas em Cuba, que vão no sentido da permissão de propriedade privada e dos trabalhadores livres. A pediatra teme que esses trabalhadores livres se transformem em "pequenos-burgueses", como dizia Marx. Ou, trocando em miúdos, que se crie uma classe média, individualista e sem consciência social. Aleida parece não confiar plenamente no espírito humano e certamente pensa que o homem novo que propunha Lukács ainda não está pronto.

É interessante também a insistência da entrevistadora na direção de atestar que o regime cubano é ditatorial. Nesse sentido Aleida demonstra que há sim algum grau de democracia na Ilha. E aponta coloca o dedo em uma ferida da nossa democracia pluripartidária, que depende de escolhas partidárias prévias e, na maioria das vezes, de grandes montanhas de capital. Partidos maiores e mais ricos, mais tempo e recursos para uma boa propaganda política na TV. E isso claramente se traduz em mais votos e vitórias. É evidente que para nós o regime de Fidel é ditatorial em certa medida. Mas até que ponto o nosso modelo é tão democrático? 

E ao discutir os presos políticos, Aleida aponta outro dedo em nossa ferida. Por que nós tratamos os presos políticos que lutaram contra o regime de Cuba como vítimas e os que lutam contra o nosso, como o caso de do italiano Cesare Battisti, como terrorista e assassino? Em um tempo de tanto relativismo, por que ainda insistimos em apontar o dedo para as feridas alheias se as nossas ainda sofrem de uma hemorragia incessante? Ou será que podemos ser relativistas quanto a questões culturais? 

O fato é que parecemos sofrer de uma analgesia congênita. Estamos entorpecidos, cegos, fechados em bolhas de interesses individuais. Estudamos, trabalhamos, compramos, bebemos, fumamos, festejamos, assistimos... E vamos para as ruas protestar contra a homofobia  e/ou a favor da liberdade do uso da maconha; ou paramos a Paulista para marchar em prol da nossa religiosidade, que é homofóbica e contra qualquer tipo de drogas. Ou vamos às ruas (e urnas) para salvar a natureza, mas só andamos de carro e trocamos de celular todo semestre. As lutas estão, de fato, particularizadas. Então, as novas utopias também estão individualizadas. Muito, é claro, por culpa da "velha" não englobar (e até excluir) possíveis grupos interessados e afetados por esse sistema excludente. Com efeito, pensamos ser necessário, primeiro, acabar com a analgesia congênita que nos assola. Precisamos reconhecer o inimigo. Saber contra quem lutar. Apropriando-se de uma metáfora da ficção científica cinematográfica, precisamos saber que a luta é fora da Matrix. Mas primeiro, precisamos saber que estamos dentro dela. Mas isso é difícil, a medida que o mundo real é muito mais cinza do que o virtual e a coxa de frango, apesar de falsa, é mais saborosa que a gororoba nutritiva que se come na realidade....

Assim, encerramos essa postagem com um pequeno texto de João Bernardo, que é polêmico e resume nossas idéias:


A propósito do filme de Chico Teixeira, A Casa de Alice

João Bernardo - Domingo, 6 Abril, 2008

Tive um amigo que distinguia a pobreza e a miséria. A pobreza, dizia ele, resolve-se com dinheiro. A miséria é outra coisa. Pobreza é não ter que comer, viver num barracão esburacado ou dormir no abrigo de uma caixa de multibanco, ter a roupa em farrapos, e com dinheiro compra-se comida, calças e camisa e aluga-se um quarto.
A miséria não se resolve com dinheiro. Miséria é não ser escutado por ninguém, não decidir a própria vida, chegar a casa, olhar para quem lá mora e já não ver neles aquilo que outrora se julgava, viver isolado numa teia de conhecimentos superficiais, amigos de café para discutir o futebol, colegas de trabalho que talvez sejam orelhas do patrão, a miséria é não confiar nos outros nem em si próprio, é viver uma vida sem sentido.

Existe a riqueza, claro, mas essa têm-na os capitalistas e não significa só dinheiro, porque a riqueza representa mais dinheiro do que aquele que é necessário para viver muitíssimo bem. Riqueza significa acima de tudo poder, a capacidade de ordenar as próprias vidas e de mandar nas vidas alheias. Enquanto a miséria significa, mesmo de barriga cheia, não dispor de poder nenhum sobre nada, obedecer e não entender aquilo a que se obedece. A miséria, em suma, é ser joguete da história, sem conseguir travar a engrenagem. A miséria é ter inveja dos patrões em vez de lhes ter ódio, é querer subir no sistema em vez de o derrubar, é desconfiar dos colegas em vez de se unir a eles, é viver isolado sem saber que a história existe e que podemos participar nela. A miséria é dizer sim quando se deve dizer não.

O ideal do capitalismo, o paraíso que ele nos promete, consiste em acabar com a pobreza e universalizar a miséria. Paradoxalmente, o pobre, embora seja um fruto do capitalismo, é nefasto para o capitalismo, porque nem é produtivo nem é consumidor. Ninguém trabalha bem com a barriga vazia, um trabalhador ignorante não pode ser qualificado e além disso quem é pobre não compra nada, o que é péssimo para o mercado. Enquanto o trabalhador condenado à miséria compra o que pode e quando deve, e trabalha tal como lhe mandam. É ele o cidadão exemplar.

Dentro do capitalismo não existe saída para a miséria, porque os trabalhadores só adquirem uma dimensão histórica, só entram na história, quando combatem o capitalismo. É então, na preparação de uma greve − para me limitar a um exemplo simples − na mobilização dos colegas, nas discussões, na formação de um piquete, que os olhos se iluminam e a pessoa sente que alguma coisa mudou. Agora temos a capacidade de falar alto e de obrigar os patrões e as autoridades a escutarem-nos, invertemos a engrenagem, somos história. Saímos da miséria.


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