sexta-feira, 27 de maio de 2011

Utopias que ficaram pelo caminho - PARTE 2: O liberal capitalismo

O segundo texto da série de postagens que tratará das utopias que não se realizaram versará sobre o liberal capitalismo. Muitos de vocês podem estar se perguntando acerca da veracidade dessa afirmação, à medida que aparentemente o capitalismo está mais forte do que nunca e que ideais liberais são proclamados por todos os ventos e para todos os lados. 
Entretanto, será que o liberalismo se realizara em sua plenitude da maneira que foi proposto? Será que alcançamos o ideal proposto por teóricos liberais clássicos, como Adam Smith, John Stuart Mill e David Ricardo?

Para verificar essa questão, vamos nos ater para pressupostos liberais mais comuns fundados por Smith. O autor inglês, considerado pai do liberalismo econômico, defendia a não intervenção do Estado na economia. Dizia ele que a economia seria regulada por uma "mão invisível", ou seja, ela se auto-regularia, chegando sozinha a máxima eficiência. Dentre esses mecanismos auto-reguladores estão a "lei da oferta e da procura" e a "livre concorrência". Tanto o preço dos produtos quanto a necessidade de produção seriam determinados pelo quanto deles pode ser produzido e pelo quanto eles são procurados. E a livre concorrência faria com que as empresas buscassem desenvolver produtos de máxima qualidade pelos menores preços, pois o consumidor teria livre escolha. 

Porém, a livre concorrência foi substituída por trustes, cartéis e pelo capital aberto. E a lei da oferta e da procura, pelos nichos de mercado.

É comum desde o final do século XIX, empresas se fundirem em grandes trustes ou combinarem de preços e/ou domínios de mercado através de cartéis. E o capital aberto faz com que mesmas pessoas possam ter ações em diferentes empresas do mesmo ramo. Ou seja, várias empresas seriam controladas por mesmos donos. Como exemplo, uma mesma pessoa pode ser acionista da marca A e B de uma determinada bebida. Certamente, esse acionista não quer que as empresas concorram entre si. Por isso, são criados - ou aproveitados - os nichos de mercado, ou seja, produtos específicos, com características distintas, para diferentes grupos sociais. Ainda se utilizando do exemplo, um grupo economicamente favorecido pagaria mais por uma bebida de melhor qualidade, ao passo que um menos favorecido, pagaria menos por uma de qualidade inferior. Derrubada a livre concorrência, cai por terra o postulado do desenvolvimento de produtos de máxima qualidade por preços acessíveis, pois sempre terá um nicho para comprar produtos de diferentes níveis qualitativos. E isso faz com que o liberalismo se movimente com relativa independência. E que a melhoria da qualidade de vida que, em tese, levar-nos-ia a alcançar, jamais se realize em todas as esferas. 

De tempos em tempos, esse liberal capitalismo gera graves crises, como a de 1929. Na teoria, o emprego levaria ao consumo, que por conseqüência, levaria ao lucro. Na prática, criou-se um antagonismo nefasto entre esses postulados: a busca incessante por lucro leva a diminuição dos salários e dos empregos e, por conseqüência, do consumo. E se não há consumo, não há lucro. E a pobreza aparece como um produto do capitalismo.
Nas palavras do intelectual português João Bernardo, “o pobre, embora seja um fruto do capitalismo, é nefasto para o mesmo, porque nem é produtivo nem é consumidor. Ninguém trabalha bem com a barriga vazia. Um trabalhador ignorante não pode ser qualificado e, além disso, quem é pobre não compra nada, o que é péssimo para o mercado”.

E historicamente, as crises cíclicas e o impedimento de acordos empresariais nebulosos, só foram resolvidos por estados interventores. O que demonstra que a nobreza de ideal do liberalismo não se realizou.

Nem mesmo com sua nova roupagem, com o prefixo “neo”, que apareceu na década de 1980, para desmontar esse estado intervencionista e protetor, conhecido como wellfare state.

Mas tanto o neoliberalismo, quanto o estado do bem estar social, são utopias a serem tratadas em textos futuros...

2 comentários:

  1. "O segundo texto da série de postagens que tratará das utopias que não se realizaram..." li essa entrada do post e fiquei pensando: em que medida uma utopia é realizável? Digo: se é utopia, orienta, guia, eventualmente até obnubila, enfim, é algo poderoso, mas que se define por ser um norte, digamos, e também o movimento que ele intiga, mas realizar uma utopia talvez seja parecido com chegar à ponta do arco-íris. Sobretudo se se pensar em termos históricos: os elementos constitutivos de uma utopia se movimentam, implicam-se, modificam-se e modificam os outros produzindo, ao longo de uma dada trilha, novas utopias - que não se realizam propriamente, mas geram movimento etc. etc.

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  2. Obrigado pelo comentário. E você tem razão. Mas já indicamos isso em postagens anteriores. As utopias não são, necessariamente, realizáveis. Mas, como você bem salientou, guiam. Entretanto, estamos fazendo essa série de postagens para discutir justamente a tentativa de realização prática (por mais questionável que seja) dessas teorias, que não são colocadas por seus autores como utopias (portanto, como irrealizáveis), mas sim por nós.

    Abraço

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